15 outubro 2005

A relatividade de um sonho relativo





"Numa enevoada manhã de primavera, Einstein passeava ao longo de um caminho nas montanhas, paralelamente a um ribeiro ondulante que descia dos picos nevados. Embora o duro frio já pertencesse ao passado, estava ainda fresco, à medida que os raios de sol começavam lentamente a romper por entre a neblina. O canto ruidoso dos pássaros elevava-se acima dos sons das águas, que jorravam em tumulto. As encostas estavam cobertas por densas florestas, interrompidas aqui e ali por enormes penhascos.

À medida que o caminho descia, a paisagem ia-se abrindo, dando lugar a clareiras cada vez maiores e a pequenos prados. Apareceram então ao longe vales suspensos, nos quais Einstein podia descortinar um grande número de campos, todos marcados inconfundivelmente pela presença humana. Alguns destes campos estavam cultivados e separados por vedações de formas mais ou menos regulares. Noutros, podiam ver-se vacas pastando preguiçosamente nos prados.

o sol penetrava agora com mais confiança na neblina, diluindo-a ao ponto de tudo parecer ligeiramente desfocado. Einstein começava a distinguir pormenores dos campos mais abaixo. Era comum por estas bandas dividir os campos com vedações de arame electrificadas. Estas vedações eram mesmo muito feias, e a maior parte delas não parecia sequer funcionar. de facto, viam-se vacas com a cabeça enfiada entre os fios, pastando do campo vizinho, sem qualquer respeito pela propriedade privada.

Ao chegar ao prado seguinte, Einstein foi examinar a vedação electrificada. Tocou-lhe e, conforme esperava, não sentiu nenhum choque – não admirava que as vacas não ligassem nenhuma à vedação. Enquanto brincava com a vedação, Einstein viu um grande vulto caminhando do outro lado do campo. Era um agricultor que transportava uma bateria nova para um barracão ali situado. o agricultor chegou ao barracão e entrou para substituir a bateria velha, que estava descarregada. olhando pela porta do barracão, Einstein viu-o ligar a bateria nova e, precisamente nesse instante, todas as vacas se afastaram da vedação de um salto. Seguiram-se longos mugidos de desagrado.

Enstein continuou a caminhar e quando chegou ao outro lado do campo já o agricultor ia a voltar para casa. Cumprimentaram-se educadamente, tendo em seguida travado um estranhíssimo diálogo, como só acontece nas trevas alucinadas dos sonhos.

«As suas vacas têm reflexos extraordinários», disse Einstein. «Agora mesmo, assim que o senhor ligou a bateria nova, todas saltaram ao mesmo tempo.»

Ao ouvir isto o agricultor mostrou-se confuso e olhou para Einstein com olhar incrédulo: «Saltaram todas ao mesmo tempo? obrigado pelo elogio, mas as minhas vacas não estão com o cio. Eu também olhei para elas ao ligar a bateria nova, porque estava a tentar pregar-lhes um susto de morte: gosto de pregar partidas às minhas vacas. Nos primeiros instantes depois de ligar a bateria não aconteceu nada, depois vi a vaca que estava mais próxima de mim dar um salto, depois a vaca seguinte, depois a outra e a outra, sempre por ordem, até todas terem saltado.»

Agora era Einstein que estava confuso. Estaria o agricultor a mentir? Mas porque lhe mentiria ele? No entanto, Einstein tinha a certeza do que tinha visto: no momento em que o agricultor ligara a bateria nova todas as vacas, da primeira à última, tinham saltado exactamente ao mesmo tempo. A verdade é que não fazia sentido ter uma discussão por causa disto, mas Einstein tinha vontade de estrangular o agricultor.

Foi então que Einstein acordou. Que sonho tão parvo – e logo com vacas... e porque tinha sido ele acometido de patéticas tendências homicidas? Era melhor esquecer tamanhos disparates.

Todavia, muitos sonhos estranhos têm um significado profundo que só mais tarde se torna evidente. E assim foi: antes de esquecer por completo o seu sonho, Einstein percebeu o que ele queria dizer. Não passava dum sonho, mas, num certo sentido, um sonho que apenas exagerara o que acontece no mundo real. "

João Magueijo
In “Mais rápido que a luz

1 Comments:

At domingo jul. 25, 01:52:00 da manhã, Anonymous Anónimo viajou...

Espectacular!!!

 

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